Jogador de futebol Daniel Alves com microfone à frente

5 perguntas para entender a cultura do estupro

Caso Daniel Alves levantou discussões sobre a cultura do estupro; entenda o que significa

Por Beatriz de Oliveira

31|01|2023

Alterado em 08|02|2023

Piadas agressivas à mulheres, assobios e mensagens com conotação sexual, desqualificação das falas de vítimas de violência sexual pela roupa que estavam usando. Tudo isso – e muito mais – faz parte da cultura do estupro. Esse conceito se reflete também em números: em 2021, uma mulher foi estuprada a cada 10 minutos no país, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Nas últimas semanas, o caso Daniel Alves abriu discussões sobre a cultura do estupro. O jogador está preso desde o dia 20 de janeiro acusado de estuprar uma mulher em uma boate em Barcelona, na Espanha. O local em que ocorreu o crime dispunha de um protocolo contra a violência de gênero, o que foi crucial para a junção de provas a favor da versão da vítima.

Mais recentemente, no dia 28 de janeiro, a estudante da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Janaína da Silva Bezerra morreu após ser estuprada em uma festa da faculdade. O estudante Thiago Mayson da Silva Barbosa é acusado do crime de estupro e feminicídio da jovem, que teve o pescoço quebrado.

Para entender alguns pontos que envolvem a cultura do estupro, conversamos com Zaira Jesus Pereira, advogada criminalista, especialista em direito processual, diretora da Comissão de Enfrentamento a Violência contra a Mulher Negra da OAB/MG e cofundadora da Casa das Pretas.

1. O que é a cultura do estupro?

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Zaira Pereira é advogada e diretora da Comissão de Enfrentamento a Violência contra a Mulher Negra da OAB/MG

©arquivo pessoal

“Quando falamos da cultura do estupro, temos que pensar na nossa estrutura social, em que a mulher é tida como um objeto do homem, vivemos em uma sociedade patriarcal e machista, homens têm em mente que a mulher é sua posse, e que podem ter acesso ao seu corpo e cercear a sua liberdade com um fim sexual”, afirma Zaira.

Relativizar agressões sexuais e culpar as vítimas são atitudes que fazem parte da cultura do estupro, assim como, normalizar comportamentos machistas que incentivam e reproduzem violência contra mulheres. Todas as ações que legitimam e estimulam a violência sexual fazem parte da cultura do estupro.

“Casos como o do jogador Daniel Alves mostram que, na cabeça de um homem assim, nenhuma mulher vai rejeitá-lo, ‘porque sou uma pessoa famosa, eu sou um homem que qualquer mulher iria querer’”.

2. Qual a diferença entre estupro e assédio sexual?

Casos de estupro acontem quando o agressor, de modo violento ou ameaçador, comete atos para o seu prazer sexual sem o consentimento da vítima. Além da penetração vaginal, outros atos libidinosos também são considerados estupro, como lambidas, mordidas, passar a mão, tudo o que vai atingir a liberdade sexual da mulher.

De acordo com o Código Penal, estupro é “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena é de seis a 10 anos, mas essa regra muda de acordo com a situação: se a conduta resultar em morte, a pena é de 12 a 30 anos, por exemplo.

Já o assédio sexual diz respeito “às investidas que são feitas do agressor para com a vítima, de forma a coibí-la, causando um cerceamento, quando a pessoa tenta forçar uma situação futura de cunho sexual”, explica a advogada.

Segundo o Código Penal, o assédio sexual se caracteriza por “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena é de um a dois anos.

Zaira Pereira pontua que é importante que as mulheres saibam o que é estupro e assédio sexual para que identifiquem quando passarem por situações como essas e tomem providências.

3. Como a cultura do estupro afeta, em especial, as mulheres negras no Brasil?

No debate acerca da cultura do estupro no Brasil, o recorte de raça não pode ser ignorado. Dados de 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontam que uma mulher negra tem 11,3% mais chance de ser estuprada do que uma mulher branca.

As mulheres negras estão na base da pirâmide social e historicamente são estupradas. “Desde o período da escravidão, a mulher negra era estuprada pelo senhor e ainda tinha que trabalhar, teve seus diretos violados desde o seu nascimento, nossos corpos sempre foram sexualizados”, pontua a advogada.

“Há aquela expressão que alguns consideram elogio, mas não é: mulata. Mulata é mula, é um bicho que se sobe em cima, e é assim que a mulher negra é vista. Não somos mulas, não somos mulatas, somos mulheres negras e temos direitos assim como as não negras”.

4. O que uma mulher deve fazer após ser vítima de uma situação de estupro ou assédio?

Ao ser vítima de violência sexual, a mulher deve registrar um boletim de ocorrência (BO). Para isso, é necessário ir até uma delegacia. Como essa situação pode ser dolorosa e constrangedora, a advogada recomenda a busca por uma rede de apoio, de modo a conseguir amparo para denunciar.

Essa rede inclui atendimento psicológico, apoio familiar e de amigos. Isso porque a vítima deverá se manter disponível para ser chamada e ouvida pela Justiça no decorrer da investigação.

A mulher tem o direito de ser acompanhada por um advogado que atuará como assistente de acusação. Entre as formas de conseguir uma assistência jurídica gratuita está a Defensoria Pública, coletivos e Organizações Não Governamentais (ONGs).

Além disso, existe a Lei do Minuto Seguinte que prevê atendimento obrigatório e integral a pessoas que passaram por violência sexual. A lei de 2013 define que as vítimas têm o direito de atendimento emergencial em hospitais da rede do Sistema Único de Saúde (SUS), diagnóstico e tratamento das lesões físicas, amparo psicológico, profilaxia da gravidez e das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Não é necessário ter realizado BO para acessar esses serviços.

5. Por que, mesmo com muitas barreiras, é importante denunciar?

São várias as barreiras que uma vítima de violência sexual tem que enfrentar. Uma delas é a informação, já que muitas mulheres que passam por situações desse tipo não têm ciência de que se trata de uma violência, um crime. Há também a culpabilização da vítima, uma das características da cultura do estupro. Uma mulher pode ser questionada e desqualificada pela sociedade ao fazer uma denúncia de agressão sexual. Além disso, em casos que ganham repercussão por envolver pessoas públicas, a vítima costuma ser acusada de estar denunciando para obter fama e dinheiro.

Apesar dessas e outras barreiras, é importante denunciar. A denúncia serve para que, mediante as apurações e punições, a sociedade observe que a lei está surtindo efeito. “Denunciar vai gerar consequências, mas a gente não tem que ter medo delas, o maior medo é que a violência continue acontecendo”, diz Zaira.

“Uma mulher ajuda a outra, porque o seu caso vai gerar exemplo para outra mulher. Uma encoraja a outra. Quanto mais as pessoas verem que isso gera resultado, mais terão coragem de denunciar”.